O que a eliminação dos corantes alimentares artificiais pode significar para o sistema alimentar

 

Corante vermelho n.º3© CNN Portugal

Como os corantes alimentares artificiais estão a ser cada vez mais restringidos a nível estatal e federal nos Estados Unidos, alguns fabricantes estão a tentar mudar para corantes naturais para colorir os seus produtos alimentares.

O comissário Marty Makary da Food and Drug Administration (FDA), o regulador norte-americano, anunciou numa reunião de 22 de abril que a agência planeia trabalhar com a indústria para eliminar gradualmente a utilização de corantes sintéticos à base de petróleo no abastecimento alimentar dos EUA.

Estes corantes são normalmente utilizados para tornar os produtos alimentares e as bebidas mais coloridos e mais apelativos para os consumidores. Incluem o vermelho n.º 40, os amarelos n.º 5 e n.º 6, os azuis n.º 1 e n.º 2 e o verde n.º 3.

Os corantes alimentares naturais, que poderiam substituí-los, são derivados de vegetais, frutas, animais e minerais, de acordo com a FDA.

Gomas coloridas com corantes à base de plantas em exposição nos escritórios da GNT, uma marca global de corantes alimentares à base de plantas, em Tarrytown, Nova Iorque, em 2015. Seth Wenig/AP


O anúncio de Makary é a mais recente iniciativa para que as empresas do sector alimentar deixem de utilizar corantes artificiais devido às preocupações com os impactos negativos na saúde animal e humana - incluindo o aumento do risco de cancro e de problemas neurocomportamentais.

A FDA também pretende autorizar em breve quatro novos corantes naturais e acelerar a revisão de outros, incluindo o extrato azul de Galdieria (alga), o azul de gardénia, o extrato de flor de ervilha-azul (Clitoria ternatea) e o fosfato de cálcio.

“A FDA está a pedir às empresas alimentares que substituam (voluntariamente) os corantes petroquímicos por ingredientes naturais para as crianças americanas”, afirmou Makary num comunicado de imprensa. “Dadas as preocupações crescentes de médicos e pais sobre o papel potencial dos corantes alimentares à base de petróleo, não devemos correr riscos e fazer todo o possível para salvaguardar a saúde dos nossos filhos.”

O movimento para banir os corantes artificiais

O anúncio da FDA segue-se a mudanças significativas no cenário legal em torno dos aditivos alimentares nos últimos dois anos. A Califórnia proibiu o vermelho n.º 3 em todo o Estado em outubro de 2023, seguido pela proibição de seis outros corantes comuns em alimentos escolares em agosto.

A FDA proibiu o vermelho n.º 3 em janeiro, com efeito para os alimentos a 15 de janeiro de 2027 e para os medicamentos a 18 de janeiro de 2028 - mas a agência está agora a pedir às empresas alimentares que eliminem o corante mais cedo. E em março, a Virgínia Ocidental aprovou a lei mais abrangente até agora, proibindo sete corantes e dois conservantes.

“Durante algumas décadas, pelo menos, os consumidores questionaram-se muito sobre a segurança dos produtos sintéticos e a procura de ingredientes mais naturais tem vindo a aumentar”, garante Monica Giusti, professora e presidente associada do departamento de ciência e tecnologia alimentar da Universidade do Estado de Ohio. “Finalmente, assistimos a algum tipo de ação regulamentar.”

Alguns corantes naturais já estão a ser usados em produtos vendidos nos Estados Unidos, e algumas lojas têm políticas que proíbem a venda de alimentos com corantes sintéticos, diz Melanie Benesh, vice-presidente de assuntos governamentais do Environmental Working Group, uma organização de saúde ambiental sem fins lucrativos.

A CNN contactou a FDA e o Departamento de Saúde e Serviços Humanos dos EUA para obter comentários, mas não obteve resposta a tempo da publicação.

Eis os corantes alternativos e a forma como podem afetar os fabricantes e a saúde humana.

Fontes naturais de cor

Muitos corantes naturais já estão aprovados pela FDA e são regulados de forma diferente dos seus homólogos artificiais. A FDA exige que os fabricantes apresentem amostras de lotes de corantes sintéticos para testes e certificação. Os aditivos de cor natural estão isentos, mas continuam a ser avaliados pela agência.

Uma das alternativas mais populares para corantes vermelhos vibrantes é o extrato de cochinilha ou a sua laca, o carmim. (Uma laca é uma versão lipossolúvel de um corante).

Os corantes de cochinilha provêm dos minúsculos corpos secos e esmagados de insectos fêmeas de cochinilha, colhidos principalmente e facilmente em catos no Peru, explica Giusti. Tão intensamente coloridos que o simples esmagamento com os dedos deixa uma mancha, os insetos cochinilhas têm sido usados como corantes durante séculos, desde a civilização Inca que começou no século XIII, acrescenta Giusti.

Outros corantes naturais incluem o extrato de urucum (amarelo) das sementes da árvore tropical Bixa orellana e corantes azuis a castanhos produzidos a partir de sumo, pó ou beterraba desidratada, segundo os especialistas.

Um trabalhador agrícola numa quinta de especiarias em Zanzibar, ao largo da costa da Tanzânia, apresenta sementes de urucum acabadas de colher durante uma visita guiada. NLink/iStockphoto/Getty Images


Há também betacaroteno (amarelo ou laranja) que se encontra em muitas plantas, incluindo cenouras; extrato de pele de uva (vermelho ou roxo); as especiarias de cor laranja e vermelha açafrão-da-terra e açafrão; e clorofila de cor verde, extrato de espirulina e matcha, de acordo com os especialistas.

“Existem vários métodos de processamento para corantes alimentares de origem natural, sendo que alguns corantes têm vários métodos disponíveis”, indica Renee Leber, gestora de ciência alimentar e serviços técnicos do Institute of Food Technologists, uma organização científica sem fins lucrativos de profissionais e tecnólogos do sector alimentar. Os membros do instituto incluem pessoas que trabalham na produção de alimentos.

Pouca investigação sobre corantes naturais

A investigação sobre os efeitos dos corantes artificiais na saúde humana continua a ser subfinanciada, pelo que há ainda menos apoio para estudos sobre alternativas naturais, dizem os especialistas.

Mas, em geral, “os compostos que dão cor a frutas e legumes tendem a ter propriedades benéficas adicionais para a saúde humana”, como agentes anti-inflamatórios, aponta Giusti.

De acordo com o Center for Science in the Public Interest, uma ONG norte-americana, uma pequena percentagem de consumidores relatou ter sofrido reações que variaram em gravidade, desde urticária a choque anafilático, que pode ser fatal, depois de consumir produtos que continham corantes de cochinilha. Os ingredientes foram, por isso, “identificados como substâncias alergénicas que devem ser declaradas no rótulo de todos os produtos alimentares e cosméticos”, segundo a FDA.

“Há algumas proteínas nestes corantes às quais algumas pessoas são alérgicas”, explica Marion Nestle, professora emérita da Faculdade de Nutrição, Estudos Alimentares e Saúde Pública da Universidade de Nova Iorque. “Isso pode ocorrer em pessoas sensíveis com quantidades muito, muito pequenas.”

Mas com a maioria dos corantes naturais a serem provenientes de plantas e sendo usados em pequenas quantidades, “é difícil acreditar que teriam qualquer efeito” na população em geral, acrescenta Nestle, também professora visitante de ciências nutricionais na Universidade de Cornell em Ithaca.

A mudança não será fácil

Mesmo que os corantes naturais sejam geralmente mais seguros para a saúde humana, a indústria está preocupada com o potencial impacto na atração e viabilidade dos produtos.

Uma das razões pelas quais os fabricantes preferem corantes à base de petróleo é que a sua estrutura química não se altera muito quando combinada com outros ingredientes, armazenada ao longo do tempo e exposta aos elementos, esclarece Giusti. Enquanto os insetos de cochinilha fornecem cores intensas e estáveis, os corantes de materiais vegetais são menos estáveis.

Essa diferença é “muito desafiadora para as empresas, porque, por exemplo, se uma empresa produz dez produtos diferentes que são vermelhos, podem estar a usar apenas um corante sintético”, diz Giusti. “Mas se quiserem substituir o corante sintético por uma alternativa natural, podem ter de utilizar até dez corantes naturais diferentes.”

E embora existam mais de 40 alternativas diferentes de corantes naturais, não conseguem produzir o espectro de cores que os vários corantes sintéticos podem. Estes fatores podem fazer com que os produtos que contêm corantes naturais sejam mais caros do que os que contêm corantes sintéticos.

A conversão de apenas um produto de um corante sintético para um corante natural pode levar de seis meses a um ano, disseram à Associated Press responsáveis da Sensient Technologies Corp, um dos maiores fabricantes globais de corantes que ajuda as empresas a mudar os seus protocolos.

“Não é que haja 70 milhões de litros de sumo de beterraba à espera que todo o mercado se converta”, diz Paul Manning, diretor executivo da empresa, à AP. “Dezenas de milhões de litros destes produtos precisam de ser cultivados, retirados do solo e extraídos.”

É o mesmo problema de abastecimento com os corantes de cochinilha. São necessários cerca de 70.000 insetos para produzir um quilo de corante.

Algumas empresas do sector alimentar já foram alvo de reações negativas quando mudaram para corantes naturais, com alguns consumidores a referirem uma diferença no sabor. Mas Marion Nestle diz que essas experiências são provavelmente perceções tendenciosas, uma vez que as composições dos produtos permanecem normalmente as mesmas.

As empresas “conseguiram livrar-se deles noutros países e substituí-los por corantes vegetais”, argumenta Nestle. “Isto parece-me óbvio.”

*Meg Tirrell e Jen Christensen contribuíram para este artigo

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