Raiva, inveja ou frustração disfarçadas com um sorriso. 9 perguntas e respostas sobre comportamentos passivo-agressivos
O que é um comportamento passivo-agressivo?
É um comportamento que se manifesta através da expressão indireta de sentimentos negativos, como raiva, frustração, inveja ou ressentimento. Na prática, é manifestar uma incongruência entre o que se diz e o que se faz.
“A pessoa sente-se injustiçada ou impotente, mas não se sente segura para expressar isso diretamente”, diz a psicóloga Cristiana Pereira. É, portanto, um tipo de agressividade velada, já que a pessoa não expressa o que sente de forma aberta e honesta, mas com ações e palavras que podem irritar os outros e criar mal-estar.
E como se manifesta?
A pessoa passivo-agressiva procura esconder a raiva ou zanga em atitudes aparentemente cooperativas, não exibindo qualquer ação ou mostrando um comportamento, evitando assim o confronto direto.
Alguns exemplos:
- Atrasar tarefas importantes ou realizá-las de forma ineficiente, especialmente quando solicitadas por alguém pela qual a pessoa tem ressentimento;
- Resistência “mascarada” a pedidos ou expectativas, dificultando o progresso. Exemplo: Aceitar uma tarefa, mas depois levantar inúmeras objeções ou obstáculos triviais para não a concluir;
- Expressar insatisfação através de um comportamento ou de uma reação, como resmungar ou fazer birra, sem, porém, verbalizar o motivo. Exemplo: Ficar com a cara fechada e suspirar alto quando alguém pede alguma coisa, mas dizer “estou bem” se uma pessoa perguntar se se passa algo;
- Fazer comentários disfarçados de brincadeira com sarcasmo ou ironia. Exemplo: “Ena, como és rápido a fazer isso” com um tom irónico, querendo dizer precisamente o contrário;
- Ignorar a pessoa, parar de falar com ela ou responder com monossílabos como forma de punição ou para expressar algum tipo de desaprovação sem confronto direto;
- Dizer que está tudo bem, mesmo quando está visivelmente irritado ou incomodado.
E há sintomas habituais mais claros?
Uma vez que não se trata de uma perturbação com um diagnóstico clínico, não há propriamente sintomas identificados, mas antes comportamentos típicos, como…
- Resistência a sugestões ou exigências;
- Reclamações constantes, mas indiretas;
- Mau humor e pessimismo constantes;
- Evitar o confronto direto;
- Frustração interna frequente;
- Procrastinação de tarefas e desculpas frequentes para o baixo desempenho;
- Atrasos frequentes e propositados;
- Esquecimento seletivo de tarefas ou compromissos;
- Sarcasmo, ironia e comentários ambíguos;
- Silêncio e falta de comunicação para evitar confrontos;
- Vitimização de si mesmo e culpabilização dos outros;
- Dificuldade em aceitar críticas ou assumir responsabilidades.
De qualquer modo, um profissional de saúde mental, psicólogo ou psiquiatra, pode identificar padrões de comportamento durante uma avaliação clínica – quer seja através de uma entrevista clínica, isto é, uma conversa detalhada sobre o histórico de vida, quer sejam emoções e modos de agir, ou ainda questionários ou inventários de personalidade. “Ou seja, ferramentas padronizadas que ajudam a mapear traços de personalidade e padrões de comportamento”, adianta Cristiana Pereira.
É considerado uma perturbação de personalidade?
Historicamente, a perturbação de personalidade passivo-agressiva constava no Manual Diagnóstico e Estatístico de Perturbações Mentais (o famoso DSM-5, editado pela Associação Americana de Psiquiatria que estabelece critérios para o diagnóstico de perturbações mentais), mas foi realocada e, atualmente, não é um diagnóstico válido nesse documento.
A passivo-agressividade é então entendida como um comportamento ou um conjunto de traços de personalidade que se podem manifestar em diversas situações. “Ou seja, não sendo considerado um diagnóstico de perturbação de personalidade, o padrão de comportamento pode ser bastante enraizado, o que afeta significativamente a vida da pessoa e as suas relações”, explica a psicóloga.
Pode-se dizer que é alguém em permanente conflito?
Sim, a pessoa passivo-agressiva, muitas vezes, está em permanente conflito, mesmo que não seja explícito. “Isso acontece porque, ao evitar a comunicação clara das suas necessidades e frustrações, os problemas não são resolvidos e tendem a acumular-se, gerando um ciclo de ressentimento”, diz a psicóloga.
Além disso, sublinha, a comunicação indireta e as ações contraditórias criam um clima de confusão e de desconfiança nas relações, uma vez que os outros nunca sabem o que realmente está a acontecer ou o que a pessoa passivo-agressiva pensa e sente.
Quais as causas? De onde vem tudo isto?
As causas são, geralmente, multifatoriais e geralmente complexas. Pessoas com estas características podem não ter aprendido a expressar a raiva de forma saudável, o que pode ser resultado do ambiente familiar. Ou seja, “quando a expressão direta da raiva é punida, ignorada ou considerada inaceitável, a criança aprende que é mais seguro expressar a raiva de forma escondida”.
Além disso, pode estar relacionado com modelos parentais, quando os pais também demonstravam passivo-agressividade. Ou com situações traumáticas ou experiências negativas em que a expressão direta teve consequências desagradáveis. Ou ainda a crença de que expressar raiva abertamente pode levar a reações exageradas ou incontroláveis, ou o medo de ser rejeitado ou criticado inibe o confronto direto.
O ambiente em que se cresce e o contexto ao redor podem, assim, ter bastante influência. “Ambientes onde não há um espaço seguro para expressar sentimentos negativos, como raiva ou frustração, promovem o desenvolvimento de estratégias indiretas para lidar com essas emoções — como a passivo-agressividade”, diz Cristiana Pereira.
O contexto de trabalho também influencia. Numa cultura organizacional que desencoraja a comunicação direta e a imediata resolução de conflitos, ou onde há hierarquias rígidas que dificultam a expressão de descontentamento, o comportamento passivo-agressivo pode ser mais evidente, até “como forma de resistência ou desabafo”.
Quais os impactos na saúde mental e na relação com os outros?
Aumento da ansiedade e stress, sentimentos de frustração e impotência, são cenários possíveis, tal como isolamento e baixa autoestima, uma vez que a pessoa passivo-agressiva pode sentir dificuldades em estabelecer relações saudáveis, sentir-se incompreendida e incapaz de lidar com os problemas.
“Na relação com os outros, estas pessoas tendem a gerar confusão e tensão constante, criam ciclos de má comunicação, o que, por sua vez, dificulta a construção de relações saudáveis, de confiança e respeito. Além disso, a imprevisibilidade e a falta de clareza podem gerar frustração, raiva e confusão nos outros.”
Alguns exemplos. Um colega de trabalho atrasa constantemente a entrega da sua parte de um projeto, forçando os outros a encobri-lo. A situação gera frustração e raiva, mas, se confrontado, ele pode dar desculpas ou vitimizar-se. Nos relacionamentos, a comunicação indireta mina a confiança. As pessoas podem sentir-se inseguras em expressar as suas necessidades ou preocupações. Um parceiro que promete fazer algo para agradar, mas depois “esquece-se” ou fá-lo de forma incompleta, sem dar uma explicação concreta. “Isto corrói a confiança na relação.”
Outra situação: amigos que se afastam de alguém que constantemente faz comentários sarcásticos ou que nunca expressa o que realmente sente, tornando a amizade superficial e unilateral.
“A longo prazo, o comportamento passivo-agressivo pode levar ao distanciamento e à rutura de relacionamentos pessoais e profissionais”, avisa Cristiana Pereira.
Como lidar com essa hostilidade?
É importante reconhecer o padrão de comportamento, sem personalizar ou reagir com agressividade ou com sarcasmo, já que isso pode reforçar o ciclo. “Devemos abordar o problema direta e calmamente, expressando os sentimentos e as consequências do comportamento da outra pessoa de forma clara e objetiva, focando os factos, não as acusações.” Em vez de dizer “atrasas-te sempre”, dizer “sinto-me frustrado quando te atrasas, porque isso afeta a entrega do nosso trabalho.”
Outro aspeto importante são os limites. “Devemos assinalar o comportamento e as suas consequências, por exemplo, ‘quando não respondes às minhas mensagens, sinto que me estás a ignorar. Prefiro que digas diretamente se não podes ajudar.’”
Por outro lado, a pessoa passivo-agressiva pode negar que está a ser agressiva ou que há algo errado. Por isso, é necessário repetir a mensagem de forma consistente e direcionar a conversa para como resolver o problema, em vez de discutir quem está certo ou errado. E é sempre melhor conversar pessoalmente. Mensagens de texto ou e-mails podem agravar mal-entendidos.
Há tratamento?
Sim, sobretudo através da psicoterapia. A ideia, explica a psicóloga, é ajudar a pessoa a identificar e compreender as suas emoções, aprender a reconhecer a raiva, frustração e outros sentimentos, bem como expressar o que pensa e sente de forma assertiva, desenvolvendo habilidades de comunicação que sejam diretas e eficazes, sem recorrer à agressividade encoberta ou ao confronto explosivo.
Há outros aspetos a ter em conta, segundo Cristiana Pereira. É preciso lidar com o medo do confronto, trabalhando crenças e medos subjacentes que impedem a expressão direta, desenvolver autoestima e segurança, fortalecendo a confiança em si mesmo para lidar com as reações dos outros. E, além disso, “reconhecer padrões de comportamento, compreendendo como a passivo-agressividade afeta os seus relacionamentos e a sua própria vida.”


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