Impacto das mudanças climáticas no cérebro. O que o calor faz às células cerebrais?

 

O cérebro é especialmente vulnerável ao calor porque não se consegue refrigerar, tornando as altas temperaturas um risco para pessoas com patologias neurológicas como a epilepsia: o tempo quente pode desencadear convulsões mais frequentes e graves. Para encontrar soluções, os cientistas procuram compreender de que forma o calor afeta a função cerebral.© @kjpargeter - Design por Freepik

O cérebro é especialmente vulnerável ao calor porque não se consegue refrigerar, tornando as altas temperaturas um risco para pessoas com patologias neurológicas como a epilepsia: o tempo quente pode desencadear convulsões mais frequentes e graves. Para encontrar soluções, os cientistas procuram compreender de que forma o calor afeta a função cerebral.

Com uma temperatura média de 38 graus Celsius, o cérebro é a parte mais quente do corpo humano, porém o engenho celular que coloca a máquina a funcionar não tem forma de se refrescar.
Em média com 1ºC mais alto do que a temperatura corporal central, o cérebro consome grande parte da energia produzida pelo corpo. Por sua vez, para manter o equilíbrio da temperatura geral também implica que o próprio corpo tenha que garantir que o sangue circule através de uma rede de vasos sanguíneos, eliminando o excesso de calor.
Sendo as células cerebrais extremamente sensíveis ao calor, a função de algumas das moléculas é passar mensagens entre elas. Se o cérebro ficar muito quente (ou muito frio) essa cadeia é interrompida devido à incapacidade das moléculas prosseguirem o seu processo.

Epilepsia e convulções

A Síndrome de Dravet, ou epilepsia, é apenas uma das muitas doenças neurológicas que são exacerbadas por temperaturas mais altas, diz Sanjay Sisodiya, da University College London. 

Sisodiya é um investigador pioneiro no campo do impacto das mudanças climáticas no cérebro. 

O neurologista, especializado em epilepsia, começou a compreender que as queixas dos pacientes aumentavam durante as ondas de calor. "E eu pensei: é claro, a alteração climática também afetará o cérebro. Afinal, muitos processos no cérebro são impactados conforme o corpo gere o calor", explicou o médico, citado na BBC.

“Ainda não entendemos completamente como os diferentes elementos dessa cadeia complicada são afetados”, diz Sisodiya. "Mas podemos imaginar um relógio, onde os componentes não funcionam corretamente".

Assim, é importante salvaguardar o conjunto de sistemas de regulação da temperatura corporal. “A termoregulação é uma função cerebral que pode ser interrompida se certas partes do cérebro não estiverem a funcionar corretamente”, sublinha Sisodiya. 

"Em algumas formas de esclerose múltipla, por exemplo, a temperatura corporal central parece ser alterada. Além disso, algumas drogas que tratam condições neurológicas e psiquiátricas, como a esquizofrenia, afetam a regulação da temperatura, deixando as pessoas que as tomam mais vulneráveis à insolação, ou hipertermia, como é conhecida clinicamente, e com maior risco de morte relacionada com o calor", argumenta.

Também as ondas de calor e especialmente as temperaturas noturnas elevadas podem afetar o sono das pessoas, transtornando o humor e potenciando os sintomas de algumas condições de saúde. “Para muitas pessoas com epilepsia o sono não descansado pode aumentar o risco de convulsões”, acentua Sisodiya.

David Henshall, professor de fisiologia e física médica no Royal College of Surgeons, na Irlanda, demonstrou na sua investigação que em "alguns tipos genéticos de epilepsia o gene por trás da condição envia mensagens para as células cerebrais para construir uma proteína que é especialmente sensível à temperatura".

Observa-se assim que o calor é um "catalisador que acelera as reações químicas nas células, e as convulsões causadas por reações enzimáticas, que já estão comprometidas, podem piorar" se a temperatura no cérebro continuar alta.

“A partir da gravação da atividade das células cerebrais, sabemos que, à medida que o corpo humano fica acima dessa temperatura, as células cerebrais começam a comportar-se de maneira diferente, que é o que acontece durante uma convulsão”, explica Henshall. “É muito perturbador para a função cerebral quando todas essas cadeias disparam ao mesmo tempo. Infelizmente, há uma lacuna de dados clínicos de qualidade sobre esse problema”, declara.

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