Como a esquizofrenia pode ser "a mais devastadora das doenças mentais"
Para Henry Cockburn, o início da esquizofrenia pareceu puro bom senso.
Era fevereiro de 2002 e o estudante de arte, de 20 anos, tinha-se afastado da Universidade de Brighton para satisfazer o seu desejo de uma vida de magia fora da cidade. Queria também fazer uma caminhada de 113 quilómetros descalço até à casa de infância, em Canterbury.
A cerca de 24 quilómetros da caminhada, ouviu aviões ao longe e contou à CNN que acreditava “que, de alguma forma, uma força maligna sabia que eu tinha saído”. Cockburn tinha a certeza absoluta de que estava a ser seguido.
A solução, acreditava, era mergulhar nas águas frias e agitadas do estuário de Newhaven e nadar para escapar à presença malévola. Pescadores encontraram-no e salvaram-no pouco antes de ele perder a consciência devido à hipotermia.
Depois de reanimado num hospital geral, foi transferido para um hospital psiquiátrico, onde os médicos o diagnosticaram com esquizofrenia. Essa instituição seria a primeira de várias onde passaria os oito anos seguintes.
A esquizofrenia é simultaneamente uma das doenças mentais mais conhecidas e mais mal compreendidas. Afetando 0,32% da população mundial, ou cerca de 24 milhões de pessoas, é uma perturbação cerebral crónica frequentemente marcada por psicose, delírios, alucinações, falta de motivação e pensamento e discurso desorganizados, segundo a Associação Psiquiátrica Americana. O caso de Cockburn reflete um padrão típico de início: na idade adulta jovem, uma rutura psicológica com falsas crenças, alucinações e paranoia, tudo a intensificar-se ao longo do tempo.
“Via-o mais como um despertar espiritual e não como esquizofrenia paranóica”, recorda Cockburn. “Quase parecia que estava em fuga, e se fazes parte do sistema e decides sair dele, o sistema não gosta disso.”
“Estava um bocado zangado e revoltado, tipo: ‘Porque é que as pessoas não me conseguem compreender?’”, acrescenta. “Agora consigo ver um pouco melhor o ponto de vista delas.”
Uma perturbação mal compreendida
Parte da confusão sobre a esquizofrenia pode ter origem no próprio nome da doença. Cunhado pelo psiquiatra suíço Paul Eugen Bleuler, em 1908, “esquizofrenia” deriva das palavras gregas schizo, que significa “dividir”, e phrene, ou “mente”. Para descrever o isolamento social severo de alguns doentes com esquizofrenia, Bleuler também criou o termo “autismo”.
No início do século XX, Bleuler propôs que a doença era marcada por uma “cisão das funções psicológicas”, pela qual “a personalidade perde a sua unidade”.
A ideia de que esquizofrenia significa mente dividida contribuiu para a crença, ainda hoje difundida em contextos formais, de que a condição se assemelha à perturbação dissociativa da identidade, anteriormente chamada de personalidade múltipla. Esta, causada por trauma, caracteriza-se por duas ou mais personalidades distintas controlarem o comportamento de uma pessoa, provocando falhas de memória quando as personalidades alternam. A explicação é dada por Daniel Weinberger, diretor e presidente do Lieber Institute for Brain Development.
Para além dessas percepções erradas sobre a sua natureza, a esquizofrenia é uma das doenças mentais mais estigmatizadas, explica Deepak D’Souza, professor de psiquiatria e diretor do Schizophrenia Neuropharmacology Research Group na Universidade de Yale.
Existe um estereótipo generalizado de que as pessoas com esquizofrenia representam uma ameaça para os outros — “o sem-abrigo a andar descalço no inverno a gritar para ninguém em particular, ou o assassino em massa compelido pelos sintomas a matar estranhos”, descreve Jeffrey Lieberman, professor de psiquiatria na Universidade de Columbia.
É a condição que as pessoas “associam à loucura, psicose e insanidade”, acrescenta Lieberman, autor do livro Malady of the Mind: Schizophrenia and the Path to Prevention. Embora alguns desses estereótipos assentem em sintomas reais que certos doentes apresentam, não refletem a totalidade dos casos e dificultam uma visão mais holística e compassiva da esquizofrenia como doença tratável, geralmente mais prejudicial para o próprio paciente do que para terceiros.
“A forma como a sociedade lidou com isto — desde os tempos antigos até à Idade Média, e mesmo até ao século XXI — foi ostracizar ou segregar as pessoas com estas perturbações mentais graves”, afirma Lieberman.
Para agravar, entre pessoas sem esquizofrenia, há também o uso popular e coloquial de termos como “esquizofrénico” ou “esquizo” para descrever alguém contraditório ou sobrecarregado com múltiplas pressões ou responsabilidades.
Estas percepções erradas e receios podem dificultar o reconhecimento dos sinais e a procura de ajuda, dizem os especialistas. Essa ajuda é fundamental, uma vez que a doença está associada a outros problemas de saúde mental, a uma qualidade e esperança de vida mais baixas e a taxas mais elevadas de incapacidade, segundo o Instituto Nacional de Saúde Mental dos EUA.
Por isso, entre alguns especialistas, cresce o interesse em mudar o nome desta perturbação cerebral crónica. Síndrome da percepção alterada, síndrome do espetro da psicose e perturbação de integração neuroemocional foram as alternativas mais apoiadas num inquérito de 2021 a quase 1.200 pessoas, incluindo indivíduos com experiência de doença mental, familiares, clínicos, investigadores, responsáveis governamentais e público em geral.
Quando e porquê surge a esquizofrenia
Os sintomas da esquizofrenia começam geralmente entre os 15 e os 25 anos, explicam os especialistas.
As pessoas podem estar a viver bem ou até em ótima fase da vida e, de repente, sofrem aquilo a que os especialistas chamam uma “primeira rutura” na sua capacidade de funcionar normalmente, disse Weinberger, também professor de psiquiatria, neurologia, neurociência e genética médica na Universidade Johns Hopkins.
“Para mim, a esquizofrenia é a mais devastadora das doenças mentais — porque atinge a pessoa antes de esta alcançar o seu potencial”, afirmou D’Souza.
A investigação sugere que esta perturbação pode resultar de alterações nos processos normais de neurodesenvolvimento que ocorrem durante a adolescência — sobretudo porque a idade mais alta da faixa típica de início coincide com a conclusão da maturação cerebral, explicou D’Souza. Mas, para algumas pessoas, o terreno para essas mudanças pode ser preparado logo na infância, sendo necessários 20 anos de maturação cerebral até que os efeitos se tornem evidentes, acrescentou Weinberger.
Existem formas de esquizofrenia que podem começar mais cedo, mas são raras, disse D’Souza.
A esquizofrenia ocorre predominantemente em homens, acrescentou. Ainda assim, “há um segundo pico interessante nas taxas de esquizofrenia que surge no início dos 50 anos, e que é sobretudo entre mulheres”, disse D’Souza. “Pensa-se que está relacionado com a menopausa.”
O que causa diretamente a esquizofrenia não está claro, mas existem vários fatores de risco conhecidos, afirmou Weinberger. Entre eles estão a química cerebral e a genética, que aumentam a probabilidade de, acumulando-se fatores suficientes, alguém desenvolver a perturbação. Muitos estudos de neuroimagem também mostraram anomalias estruturais nos cérebros de pessoas com esquizofrenia, mas nada de suficientemente consistente em diferentes populações de doentes para ser considerado uma característica típica da doença.
Uma gravidez complicada por fatores como pré-eclâmpsia, trabalho de parto prolongado ou baixo peso à nascença pode duplicar o risco para a criança, disse Weinberger. O stress e o trauma também podem aumentar a probabilidade de esquizofrenia.
O papel potencial do consumo de drogas
O consumo de drogas que alteram a mente durante a adolescência ou juventude adulta é outro fator de risco, e os investigadores têm encontrado cada vez mais associações entre o uso de cannabis e a esquizofrenia.
Esse aumento pode dever-se em parte ao facto de, atualmente, a potência da cannabis variar entre cinco e vinte vezes mais do que nos anos 1970, explicou D’Souza. Além disso, “os jovens consomem-na numa altura em que o cérebro está a passar por uma grande transformação”.
Quando Cockburn foi diagnosticado, após o episódio em que se lançou ao mar aos 20 anos, tinha acabado de deixar de consumir marijuana — cerca de quatro vezes por semana — e álcool — duas a três vezes por semana — hábito que mantinha desde os 14 anos, contou. Cockburn não acredita que o consumo de drogas tenha causado a sua esquizofrenia, mas admite que já se comportava de forma invulgar — como andar descalço no inverno — antes de ficar sóbrio.
Os compostos ativos da cannabis imitam moléculas cerebrais naturais chamadas endocanabinóides, que estimulam os receptores canabinóides — em conjunto, estes dois elementos constituem o sistema endocanabinóide do cérebro. Esse sistema não existe para facilitar a experiência de ficar “pedrado”, explicou D’Souza, mas sim para ajudar a regular os níveis e a atividade de neurotransmissores que afetam o humor, a aprendizagem, a temperatura corporal e muito mais. Tem também um papel crítico no neurodesenvolvimento, controlando para onde migram certos neurónios, quais são eliminados e se algum é perturbado de forma anómala.
“Imagine que este sistema endocanabinóide funciona normalmente e, de repente, é bombardeado com THC”, disse D’Souza. Trata-se do composto delta-9-tetrahidrocanabinol, o principal ingrediente ativo da cannabis, considerado responsável pelos efeitos psicoativos do seu consumo.
Weinberger considera que a investigação sobre a ligação entre cannabis e esquizofrenia é controversa, uma vez que não se pode inferir causalidade a partir de meras associações, afirmou.
Mas a ideia não é nova, acrescentou D’Souza, citando o trabalho do século XIX do psiquiatra francês Jacques Joseph Moreau. Moreau descreveu utilizadores de haxixe que experimentavam delírios, alucinações e paranoia — todos fenómenos hoje associados à esquizofrenia.
Sintomas da esquizofrenia
Existem várias categorias de sintomas da esquizofrenia, que podem afetar a forma como as pessoas sentem, pensam e agem.
Os delírios — acreditar em coisas que não são verdadeiras ou reais e agir em conformidade — são comuns. Podem ser “extremamente perturbadores, atormentadores e muito incapacitantes”, afirmou Weinberger.
Uma pessoa com delírios pode acreditar, por exemplo, que a Agência Central de Informações (CIA) infiltrou o seu telemóvel para a espiar e, por isso, retirar a bateria, disse Weinberger. Cockburn contou que, na primavera passada, estava a ler o romance O Sobrinho do Mágico, de C.S. Lewis, e ficou fascinado com a capacidade do leão Aslan de cantar o mundo de Nárnia a partir de um vazio escuro.
“Pensei que era assim que o mundo tinha começado”, disse Cockburn. “Leio livros de fantasia e depois procuro a fantasia dentro da realidade deste mundo.”
Cockburn também sentia que as plantas e os pássaros falavam com ele e que conseguia “conversar com os espíritos”, acrescentou. Uma conversa com uma árvore marcou-o profundamente: “Disse-me que eu podia fazer rap, e foi isso que comecei a explorar depois desse momento.”
Durante algumas das suas fugas de hospitais psiquiátricos — um hábito que o levou a ser internado em cinco ou seis instituições ao longo de oito anos — despia-se e explorava uma floresta em dias de neve.
Muitas pessoas com esquizofrenia também têm alucinações, como falar com alguém que não está presente, explicou Weinberger. Cockburn contou que, por vezes, via atiradores furtivos à janela do seu quarto no hospital.
Delírios e alucinações podem gerar medo e paranoia, disse Weinberger. Essa paranoia pode levar os doentes a pensar que os outros falam sobre eles, conspiram contra eles ou influenciam ou lêem os seus pensamentos — o que “os faz sentir-se muito desconfortáveis em contextos públicos, porque acreditam que não estão seguros”, acrescentou. “A maioria das pessoas com esquizofrenia tem muito mais probabilidade de sentir que não está segura do que de fazer com que os outros se sintam inseguros.”
As alucinações assumem frequentemente a forma de vozes, que podem começar por ser benignas e tornar-se cada vez mais negativas, segundo os especialistas. Muitos doentes ouvem várias vozes a manter uma conversa sobre eles.
Quando as vozes lhe diziam que “não havia redenção para mim”, recordou Cockburn, “eu tinha dias muito maus em que sentia que estava a ser sugado para um mundo sem Deus, suponho, e o meu humor afundava-se”.
As vozes também podem ordenar a alguém que execute ações difíceis de resistir, mesmo que sejam autodestrutivas, disse Weinberger. Provavelmente entre 5% e 13% dos doentes morrem por suicídio, muitas vezes por seguirem ordens alucinatórias para praticar atos letais, acrescentou.
Em estudos de neuroimagem de doentes que ouviam vozes, “as áreas do cérebro responsáveis pela linguagem e pela produção da fala ativavam-se”, explicou D’Souza.
As pessoas com esquizofrenia podem apresentar défices cognitivos, como dificuldade em criar e seguir um plano, processar informações complexas ou usar dados para chegar a conclusões adequadas, afirmou Weinberger. A fala desorganizada, movimentos invulgares e a falta de motivação são outros sintomas comuns — tal como o isolamento social, que Cockburn já começara a manifestar antes da sua primeira hospitalização.
“A esquizofrenia é um problema muito incapacitante”, concluiu Weinberger.
Não curada, mas controlada
A esquizofrenia não pode ser curada, disse Lieberman, mas pode ser substancialmente atenuada com uma combinação de medicamentos e terapias — embora o acesso a cuidados multidisciplinares e a sua cobertura pelos seguros continue a ser difícil, mesmo para os profissionais de saúde que desejam disponibilizar esses recursos aos seus doentes.
Os medicamentos mais eficazes para os pacientes são os antipsicóticos, explicou Lieberman, uma vez que ajudam a controlar os elementos da psicose que afetam os pensamentos e perceções. As dificuldades cognitivas, porém, são mais difíceis de tratar, acrescentou Weinberger.
Ao mesmo tempo, Weinberger sublinhou que o maior obstáculo ao tratamento é o facto de muitos doentes não tomarem a medicação — por vezes devido à anosognosia, isto é, à falta de consciência da própria doença, que afeta entre 50% e 98% das pessoas com esquizofrenia. Noutras ocasiões, a não adesão resulta dos efeitos secundários incómodos dos fármacos. Mas, agora que os especialistas compreendem melhor alguns dos fatores causais da esquizofrenia, outros medicamentos atualmente em estudo ou desenvolvimento deverão ser muito mais eficazes e com menos efeitos adversos, acrescentou.
As terapias eficazes incluem a terapia da fala, o treino de competências sociais e a terapia cognitivo-comportamental para a psicose, disseram Weinberger e D’Souza. Com um tratamento abrangente, os doentes podem aprender a ignorar ou a responder de forma mais saudável a impulsos ou vozes.
Desde que Cockburn teve alta do seu último hospital, em 2011, conseguiu alcançar em grande parte este equilíbrio, graças à terapia cognitivo-comportamental para a psicose, à medicação e ao acompanhamento psicológico. Pouco antes da sua entrevista à CNN, tinha ido correr. Sentiu algo além de si a incentivá-lo a ir mais longe do que habitualmente, mas, em vez de obedecer, decidiu voltar para trás, contou.
“Senti-me um pouco culpado por isso”, disse Cockburn. “Mas, quando me aproximei do fim da corrida, percebi que não teria conseguido terminá-la se não tivesse voltado atrás nesse momento. Acho que o bom senso acabou por prevalecer.”
Cockburn contou que não namora, mas tem amigos próximos e família e vive com um colega de casa em Inglaterra. Recebe apoio estatal por invalidez, mas, por vezes, também ganha a vida com as suas pinturas. Ainda sofre ataques de pânico ocasionais, mas o silêncio reconfortante de se sentar num quarto fresco e escuro ajuda-o a ultrapassá-los. Cockburn concluiu também a licenciatura e procura focar-se mais nos aspetos positivos da vida do que nos negativos.
Em 2011, escreveu em coautoria com o pai, o jornalista Patrick Cockburn, a memória Henry’s Demons: A Father and Son’s Journey Out of Madness. O livro foi finalista de um prémio dos já extintos Costa Book Awards e adaptado para uma peça radiofónica transmitida pela BBC Radio 4.
“Pode soar piegas, mas não desistam”, aconselha Cockburn a outras pessoas com esquizofrenia e aos seus familiares. “Acredito sempre que, mesmo nos momentos mais sombrios, há sempre alguém que olha por nós em algum lugar. Não estamos sozinhos.”


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