Longevidade. Vivemos mais, devíamos viver melhor?
Vivemos mais tempo, mas também temos mais doenças, somos mais medicados e enfrentamos vários desafios de saúde. Foi este o pressuposto da mesa-redonda “Longevidade: vivemos mais, mas devíamos viver melhor”, integrada no evento “Debater para avançar”, uma iniciativa da secção Arterial, do Observador, realizado a 17 de novembro, em Lisboa.
Com moderação de Leonor Riso, editora-adjunta de Sociedade do Observador, a conversa começou com a participação de Luís Filipe Pereira, presidente da Associação de Apoio aos Doentes com Insuficiência Cardíaca (AADIC), que abordou a integração da prescrição da análise ao sangue, exame essencial no diagnóstico precoce da insuficiência cardíaca, o NT-proBNP, no Orçamento de Estado deste ano. “Esta doença está muito ligada ao envelhecimento e afeta mais de 700 mil pessoas acima dos 50 anos. Se tivermos em conta que Portugal é um dos quatro países mais envelhecidos do mundo, começamos a vislumbrar que a insuficiência cardíaca pode ser uma das principais patologias até ao final da década ou pouco mais”, destacou.
A associação tem insistido junto das autoridades de saúde e em março deste ano, todos os partidos políticos aprovaram por unanimidade, na Assembleia da República, uma recomendação ao governo em quatro pontos essenciais, reforçou: “Recomenda que exista uma estratégia nacional de combate à insuficiência cardíaca, uma campanha nacional sobre a doença, que os medicamentos sejam comparticipados na mesma percentagem de outras doenças crónicas e que existam serviços especializados de tratamento [desta doença] nos hospitais do Serviço Nacional de Saúde.”
As estatísticas indicam que, em 2050, Portugal tenha mais de um terço de pessoas acima dos 65 anos. “Vamos ter de viver numa sociedade diferente do que estávamos habituados.” Com o aumento da esperança média de vida, mais pessoas vão viver com doença. Carlos Morais, médico cardiologista e vice-presidente da Fundação Portuguesa de Cardiologia (FPC), referiu os imensos progressos nos últimos anos nas áreas diagnósticas e terapêuticas do cardiovascular, mas destacou o aumento de pessoas com eventos cérebro-cardiovasculares. “Muitos desses eventos, apesar de bem tratados, deixam sequelas, limitações e incapacidades, que é preciso acompanhar e tratar.”
Assinalando a relevância da prevenção secundária [para os sobreviventes de determinado evento] enquanto uma intervenção multidisciplinar – que integra vários profissionais de múltiplas áreas da saúde – o desafio atual é “passar do conhecimento e da evidência científica para a prática do dia a dia”.
Atualmente, sabemos que Portugal “é um dos países da União Europeia que menos recursos económicos disponibiliza para prevenção”, mas a questão da prevenção não é apenas “uma competência específica do Estado”, reforçou o também diretor do Serviço de Cardiologia da ULS Amadora Sintra. Por exemplo, a FPC tem mais de 40 anos de trabalho no terreno a fazer prevenção cardiovascular. “Neste momento todos sabemos o que temos de fazer, mas não existe apenas falta de dinheiro, mas também falta de recursos humanos.” Este último é um dos “grandes problemas da ULS Amadora-Sintra, sobretudo pela escassez de médicos e enfermeiros”. Isto faz com que “quase toda a força de trabalho esteja canalizada para o ataque às listas de espera de consultas, de meios de diagnóstico, de cirurgias, para as urgências e para os atos clínicos do dia a dia”, assinalou Carlos Morais. Esta realidade leva a que a mobilização para atuar na comunidade ao nível da prevenção primária e secundária “seja praticamente impossível”.
Este Serviço de Cardiologia da ULS Amadora-Sintra iniciou no ano passado um programa de formação em suporte básico de vida a todos os familiares de sobreviventes que tiveram um enfarte e que estão em sub-risco de ter um novo evento. “A adesão tem sido fantástica.”
O presidente da Portugal AVC, António Conceição, sublinhou que “há muito para fazer na reabilitação de forma sistemática”. O representante da associação de doentes salientou que “há três anos, foi também aprovada por unanimidade na Assembleia da República, uma recomendação ao governo de aprovação de um Plano Nacional de Reabilitação dos doentes de AVC”. Sublinhando a relevância da Via Verde AVC aos primeiros sinais e no começo de tratamento do AVC, seria essencial ter essa continuidade no pós-evento. “O que se consegue reabilitar esta semana não é o mesmo que se conseguirá num mês ou três meses. As lacunas na reabilitação começam logo no internamento em unidade de AVC.”
Conforme definido no Plano de Ação do AVC para a Europa — e subscrito pelo Estado português — está definido que chegaríamos a 2030 com, pelo menos, 90% das pessoas que sofreram um AVC, internadas em unidades especializadas. “Na altura, há quatro a cinco anos, estávamos a falar de uma média nacional de 40 a 50% de doentes que são internados e, passados quatro a cinco anos, continuamos a falar da mesma percentagem. Isto deixa-nos muito mal na fotografia”, afirmou o também sobrevivente de AVC. O internamento nestas unidades especializadas é essencial para o tratamento em fase aguda, mas também para a reabilitação imediata e o encaminhamento para o contínuo na recuperação.
“Em Portugal há grandes disparidades conforme o local onde se tem o AVC, a unidade onde se é internado, os sistemas ou seguros de saúde, a literacia das pessoas”, afirmou António Conceição. E sublinhou: “A reabilitação não pode ser o parente pobre da saúde em Portugal, porque salva vidas, reintegra pessoas e minimiza custos para a sociedade e para o Estado”.
Outra conclusão que saiu deste painel foi a responsabilidade que cada pessoa deve ter na gestão da sua saúde. “O Estado somos todos nós e esta faceta é muito importante, o que coloca no primeiro plano, a literacia da saúde”, disse Luís Filipe Pereira, e essa consciência da importância sobre estilos de vida saudáveis deve começar na escola. “Onde temos de fazer mais esforços é em dar informação à população, porque ainda que nem toda ela adira, uma parte significativa sabe que pode melhorar.”
Carlos Morais alertou para o facto de existirem cada vez mais AVC “em idades mais jovens, ligado a muitos fatores de risco, desde os clássicos, a fatores ambientais”. É preciso, por isso, educar desde cedo. Há um mito que leva a que as pessoas pensem que estes temas são apenas da idade adulta. “Não é verdade. É inacreditável que se dê tanto protagonismo nas televisões à toxicodependência e a acidentes rodoviários — que merecem toda a atenção — mas que não seja dada também às doenças cérebro-cardiovasculares”. O cardiologista chamou ainda a atenção para o “vazio tremendo” que existe em algumas zonas do interior do país. “É uma injustiça. Um português que teve um enfarte do miocárdio ou um AVC tem todo o direito de ser tratado com os melhores meios de diagnóstico e de ser reabilitado da melhor maneira, seja em que ponto do país for. É incompreensível esta assimetria.”
No final deste debate, António Conceição recordou que “não há dois AVC nem dois processos de reabilitação iguais porque as sequelas podem ser múltiplas”. E concluiu destacando que “a falta de reabilitação conduz à depressão, a que se fique mais isolado e, em consequência, a criar mais doenças, no futuro, que poderiam ser evitadas”.


Comentários
Enviar um comentário