O Psicólogo Responde: como lidar com familiares que não entendem problemas de saúde mental?
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A saúde mental é a forma saudável e equilibrada como conseguimos viver connosco e com o mundo que nos rodeia. Ter saúde mental não significa estar sempre feliz ou sempre forte, mas ter um equilíbrio interno que nos permita sentir as emoções, sem sermos dominados por elas, pensar com clareza, gerir o stress do dia-a-dia e adaptarmo-nos às mudanças inevitáveis da vida. A saúde mental não é um estado fixo. É um movimento constante que se transforma ao ritmo das nossas experiências, do ambiente, das relações, da genética e até do contexto social em que vivemos. Ter saúde mental não significa não ter problemas, significa ter os recursos internos e externos para lidar com eles de forma suficientemente segura, adaptativa e equilibrada. Segundo Organização Mundial da Saúde (OMS) os problemas de saúde mental são um dos maiores desafios para a saúde pública, com impactos graves no indivíduo, na família e na sociedade. Dados da OMS revelam que mais de 1 bilhão de pessoas vivem com transtornos mentais. Os relatórios “Saúde Mental Mundial Hoje” e “Atlas da Saúde Mental 2024” ressaltam o aumento da prevalência de transtornos mentais em todos os países e comunidades, afetando pessoas de todas as faixas etárias e rendimentos.
Existem inúmeros fatores que afetam o nosso equilíbrio e a nossa saúde mental. Apesar de vivermos num tempo em que se fala cada vez mais de saúde mental, apesar de toda a abertura, ainda existe muita dificuldade em entender e compreender. A doença mental permanece envolta em preconceitos antigos, frases feitas e medos que atravessam gerações, bem como negações, que tapam os olhos de quem prefere não ver.
É curioso como, sem hesitar, de um modo geral na maior parte das sociedades é bem aceite quando alguém diz que tem diabetes, uma crise de asma ou um problema cardíaco. No entanto, apesar de todos os progressos até hoje, quando alguém admite que está com depressão, ansiedade profunda ou outra perturbação mental, algo muda. Parece que continua a existir um desconforto subtil, quase como se estivéssemos perante algo menos legítimo, menos real, fácil de ultrapassar. Muitas não vezes visível, nem palpável, tal como na frase “olhos que não vêm coração que não sente”. Falha a empatia e aparece a incompreensão, as soluções rápidas e mágicas, até mesmo, às vezes, as acusações e recriminações e os “achismos”. A verdade é que continuamos a lidar como quem caminha num quarto às escuras.
Quando falta saúde mental, não falta vontade. Por vezes falta clareza, falta equilíbrio, falta paz.
Quando um problema de saúde mental se instala a lógica interna altera-se e a pessoa pode passar a ver o mundo através de “lentes com filtros”, que o tornam mais pesado, mais sombrio, mais desconfiado ou, por vezes, mais parado ou acelerado do que consegue controlar. Aquilo que para nós pode parecer exagero, preguiça ou falta de interesse, para quem está doente é simplesmente o único modo possível de estar naquele momento. Não se veem febres, nem exames alterados, nem feridas visíveis. Aceitamos a doença do corpo, mas ainda estranhamos a doença da alma.
Os problemas de saúde mental continuam a fazer parte da vida de tantas famílias, muitas vezes em silêncio. O estigma, esse velho conhecido, continua a ser uma das maiores barreiras para que a família compreenda o que está a acontecer.
Ainda persiste a ideia de que sofrer psicologicamente é fraqueza, de que pedir ajuda é exagero, de que isto passa, que a pessoa não melhora porque não quer e assim, enquanto o problema não passa, instala-se na família uma espécie de silêncio pesado, que adoece quem sofre e desgasta quem cuida. Porque cuidar de alguém com doença mental é exigente.
Por vezes, no seio dos familiares onde deveria existir refúgio, a incompreensão muitas vezes cresce. E cresce porque falta conhecimento, falta perceber que depressão não é uma tristeza que passa sem ajuda, que a ansiedade não é um simples nervosismo, que a perturbação mental não surge por fraqueza ou falta de vontade de estar bem, ou simplesmente para irritar ou perturbar o funcionamento da família.
Quando um elemento da família enfrenta um problema de saúde mental, os familiares, muitas vezes sem preparação, entram num papel que não pediram, nem foram preparados. A rotina muda, a casa muda, a relação muda. O cansaço e o desgaste acumulam-se e, por vezes, em alguns casos, o medo torna-se companheiro diário. Há culpas, dúvidas, silêncios que se instalam, há uma dor que ninguém sabe explicar. Há famílias que se reinventam com ternura e força, mas outras fragilizam-se, desorganizam-se, ou negam para não ver, mas ninguém fica indiferente.
E é por isso que informar é tão importante. Quando a família compreende que aquele comportamento não é escolha, mas consequência do problema de saúde mental, o olhar muda e a pessoa que sofre sente-se vista, o que por si só já alivia metade do peso que carrega.
Falar abertamente, sem culpas nem receios, é um dos gestos mais terapêuticos dentro de uma casa. Quando existe diálogo verdadeiro, diminui o mal-entendido e cresce a ligação. E quando os familiares se envolvem no processo terapêutico procuram informação e aprendem novas formas de ajudar, deixam de se sentir à deriva e tornam-se parte essencial da recuperação.
Mas é preciso lembrar que quem cuida também precisa de ser cuidado. Ninguém consegue suster, apoiar o outro quando está a desabar por dentro. O autocuidado dos familiares não é um luxo emocional. É uma necessidade vital. Sem descanso, sem apoio, sem orientação o familiar também adoece e aí toda a estrutura treme.
Famílias coesas, que comunicam de forma aberta e afetuosa, são um dos maiores fatores de proteção da saúde mental. São elas que constroem ambientes seguros, onde a vulnerabilidade pode existir sem vergonha e onde a dor encontra colo. Um problema de saúde mental não destrói famílias. O que destrói é o silêncio, a incompreensão e a falta de apoio que a rodeia.
Nenhuma família deve enfrentar a doença mental sozinha e é aqui que entram os serviços de saúde publica e de saúde mental, os centros comunitários especializados, as linhas de apoio, os grupos de ajuda, entre todos desempenham um papel decisivo. Fornecendo apoio, orientação, facilitando pontes de comunicação e ajudando a reduzir o estigma.
A doença mental não destrói famílias, o silêncio sim, tem esse poder. Quando substituímos silêncio por conhecimento, medo por compreensão e culpa por empatia criamos espaço para que a família se transforme e para que quem sofre encontre finalmente um lugar seguro para recuperar.
Assim, para lidar com familiares que não compreendem a doença mental:
- Informar e educar - Muitas das reações de incompreensão nascem simplesmente da falta de conhecimento.
- Promover um diálogo aberto e seguro dentro da família - Quando a comunicação é honesta e tranquila, os vínculos fortalecem-se e a pessoa que sofre deixa de se sentir sozinha dentro da própria casa.
- Envolver a família no processo terapêutico - Quando participam, acompanham e compreendem o percurso da doença, os familiares sentem-se mais preparados para apoiar e menos culpados ou sobrecarregados, deixam de interpretar comportamentos como escolha e passam a vê-los como sintomas, o que alivia a pressão emocional de todos. Os familiares ao serem orientados e acolhidos tornam-se aliados fundamentais no tratamento e na recuperação.
- Reconhecer limites - Nenhuma família consegue carregar tudo sozinha. O cuidador também tem direito a cansaço, frustração e medo. Incentivar o autocuidado, procurar pausas, integrar grupos de apoio e recorrer a acompanhamento psicológico são formas de proteger quem cuida para que continue a ter força para apoiar.
- Pedir Apoio especializado - Psicólogos, psiquiatras e equipas de saúde mental ajudam a orientar, mediar conflitos, esclarecer dúvidas e desmontar preconceitos. Ter um espaço neutro e profissional para colocar questões traz clareza e serenidade e é esta a ajuda para lidar com a situação e promover a reabilitação e transformação que a família e quem sofre de problemas de saúde mental necessita.
- Validar as emoções de todos - Quando no seio da família cada membro sente que pode falar (seja quem está a passar pela situação ou quem acompanha), que pode ser ouvido e compreendido, cria-se um ambiente onde a empatia floresce. E é nessa união, nessa comunicação aberta e nesse respeito pelas fragilidades de cada um que a família encontra força para lidar com a situação, de forma mais leve, mais humana e solidária. Esta partilha e compreensão de emoções pode ser muitas vezes verbal, escrita, através de gestos combinados, ou de simples momentos de silêncios, abraços e carinho que acolhem o amor de uma família.


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